Cartão de Natal ] (ou entre dezembro e janeiro)

Contra os fins, ou apesar deles, eu levo comigo um encontro que uma editora me deu. Ela me disse, mais ou menos assim, entre uma dúvida existencial e outra nesta #vidadejornalista: “Há histórias que vêm até você”. Eu vivi todas as histórias que me chegaram, as dos outros e as minhas, o tempo de vivê-las: fosse por uma pergunta, ou por um olhar; ou por um casamento, ou por uma travessia. Eu me demoro nas pessoas, nos lugares, nas palavras, nos silêncios, nos instantes – o quanto for possível. Ainda não sei se isso é ofício ou destino; ou mesmo se há uma fronteira entre ofício e destino.

há modos de ficar em alguém. na fotografia, um par que se despedia, enquanto um permanecia no outro. 2018

O fato é que, entre os dezembros e os janeiros das duas últimas décadas em que trabalhei na redação do jornal O Povo (Fortaleza-CE), muitos natais vieram ao meu encontro. Nascimentos, esperanças, amores, perdões, abraços ocuparam capas e páginas inteiras do jornal, escritos por mim. Ando pelas saudades, estes dias; vou me buscar e volto, para seguir o tanto de caminho pela frente. A saudade é uma ponte, reescrevo enquanto atravesso meus guardados e outras distâncias; não é lugar de ficar, mas é lugar de passagem, eu acho.

Hoje, senti saudades de escrever um Natal para o jornal. Eu até tinha guardado uma ideia de reportagem, enquanto ainda trabalhava na redação do impresso, para quando este dezembro chegasse. Voei de lá na última primavera imaginária (onde moro, no Nordeste brasileiro, o sol é rei). Mas janeiros virão, e eu já arquiteto outro ninho, na Rádio Universitária da Universidade Federal do Ceará. Sigo o ofício, ou o destino, dos encontros.

chegadas, partidas e chegadas. Aeroporto de Fortaleza, 2017

Andando pelas saudades, neste 24 de dezembro, cruzei com um “cartão de Natal” que eu escrevi para o jornal remeter aos seus leitores, certa vez. O escrito fez par com uma ilustração do artista Carlus Campos, que já reproduzi neste blog: um abraço em aquarela. Gosto muito daquela ilustração e gosto de voltar ao que escrevi naquele cartão-jornal; vez em quando, vou lá e volto. Reenvio abaixo, neste post, o bem-querer. Sigo usando a palavra para dizer nascimentos, esperanças, amores, perdões.

o singelo cuidado com o mundo. estacionamento do Isaías, na vizinhança do jornal O Povo, 2018

Feliz sentimento, leitoras e leitores do blog Ana dos Suspiros.

Paz e bem,

Abraços daqui,

“esperamos um ano até este dezembro, ou mesmo esperamos uma vida. Esperamos até que houvesse o tempo da chuva, ou da desculpa, ou do olhar outra vez, ou deste cartão de Natal. E esperamos sem nem saber ao certo o que esperávamos. Se um novo amor, se uma nova amizade, se alguma chance de felicidade. Guardamos fotografias, palavras e beijos; levamos a despedida. Chegadas e partidas sempre caberão em nós. Fomos porque a vida nos chamou lá fora. Fomos para descobrir certezas, ou para sanar medos, ou para saber de nós mesmos. Fomos porque, simplesmente, era preciso ir. Passamos no vestibular e arrumamos um emprego, e outro, e outro. Andamos meio mundo, houve mil paixões, tivemos filhos, criamos coragem. Mudamos o corpo, o cabelo e o pensamento. Conservamos o riso e o coração abertos. Ainda somos os mesmos de sempre, sendo outros, sendo muitos. Foi assim que esperamos um ano até este dezembro, ou esperamos uma vida. Esperamos até que o sertão florescesse, até que os filhos crescessem. Esperamos em nossos silêncios, sem nem saber ao certo o que esperávamos. E nunca ficamos velhos demais para a felicidade. Então, aconteceu outro tempo, e outro abraço, e o mesmo olhar. E a própria vida escreveu este cartão de Natal.”

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