entre dezembros e janeiros] Para ler no dia 31

Ando pelo mundo, garimpando vida. Não é poesia; é do ofício, um destino. E, em tempos de pandemia e ódio, na seca da esperança, é uma precisão.

Garimpo vida, para contar, aos próximos e aos distantes, como se nasce e se renasce; como se transforma. Não é poesia; é tão somente um olhar contrário ao que nos mata, um avesso. Uma fome. E, na tristeza que sufoca, é a única chance.

Nas minhas andanças e travessias, nas histórias alheias e próprias, nas anotações dos dias e das noites, eu já vi, já ouvi, já senti, já sei: a vida segue e se salva. Rio que corta terra e pedra, se encurva e não quebra, afina-se e alarga-se. Nascente, navegação, desembocadura.

Por esses dias, ando garimpando vida, para quem perdeu o gosto de tudo, ou a vista do belo, ou o ouvir fora e dentro, ou o olfato das memórias, ou, enfim, a presença amorosa, inclusive, de si mesma/mesmo. Não é poesia, ainda que seja uma maneira de salvação – para você, minha amiga/meu amigo/meus amores, e para mim; pois, quando se cuida de alguém também se aprende a remediar a si mesma/mesmo. Eu acho.

rosas-meninas,
tão pequenas,
tão vivas.

Então, hoje, eu saí para garimpar, no jardim da casa da minha mãe – de onde vou-me embora com as garças e os jasmins (que ultrapassam o muro cercado, no rumo do céu) -, e encontrei as rosas-meninas da fotografia. Na verdade, não sei quem encontrou quem primeiro, se não foram elas que me encontraram? Desconfio. Olhe, Carlos (e Marias), no meio do caminho, também têm flores. Mas é preciso ver assim: a vida feito destino e reinvenção, me mostrou, para sempre, Cecília.

E eu fiquei ali, no meio do caminho (ou já seria alguma chegada, antes da próxima partida?), o tempo da rosa. Besteira, mas fiquei. Com tanta coisa para fazer, trabalho e mais trabalho, a casa por arrumar, um mundo para sossegar, mas fiquei. Porque havia um encantamento ali.

Eu queria saber dizer o que eu vi, e todo o bonito que eu vejo, apesar de pandemia, ódio ou depressão, mas não sei direito. O exato, um convencimento. O contrário, para quem decide desviver. Não é poesia, ainda que seja uma precisão.

Hoje, depois do jardim, eu queria ter escrito o encantamento do tempo daquelas pequenas rosas. Tento, e em vão, porque é do ofício. Acontece que sentimento tem mais letra que palavra, é maior, feito alma no corpo, entende?

Antes do próximo expediente, eu queria ter escrito o belo daquela vida miúda, incrustada entre sombra e luz, neste dezembro de um ano que secou. Mas, nada. Nenhuma palavra-janela, para abrir os olhos alheios. Paciência, nos semiáridos do papel e do pensamento. Tem texto que é semeadura, necessita esperar pela chuva, enquanto se aprende a convivência com os silêncios. 

Por hoje, então, fico com o contemplar (mais do que com o escrever, o entender), que também tem riqueza. Nas minhas andanças e travessias, pelos desertos humanos, eu já compreendo: no meio do nada, quando eu não tenho o dizer, é a vida que me diz. É preciso apenas continuar nela, com ela. seguir.

sem legenda;
apenas contemplação.

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