Quarentena, Dia das Mães] Amor por escrito

casa de mãe.

São tempos de abrir janelas, para encontrar o amor. Ou de se demorar na varanda, para ouvi-lo. Ou ainda são tempos de transformar as palavras em abraços e de desencaixotar sentimentos. O isolamento social ainda mais rígido, necessário para conter o avanço devastador novo coronavírus – que já matou mais de mil pessoas aqui, no Ceará -, atravessa o Dia das Mães de 2020.

Neste contexto inesperado, o jornal virtual O Otimista me pediu que eu escrevesse um texto de abertura para uma pauta especial deste segundo domingo de maio. Foi uma colaboração (não estou mais nas redações; estou na peleja de aprender a fazer pão!). A pauta queria demarcar este momento atípico com bilhetes, escritos por filhos distantes, para as mães. E eu também poderia escrever algo para a minha.

Então, por estes dias, eu escrevi mais ou menos assim:

Oi, mãe.

A bênção.

E aí, tudo bem?

Hoje, eu passo na sua casa.

A verdade é que não sei, ao certo, por onde começar a desencaixotar os sentimentos. São tantos, nesta mudança contínua da infância para o crescer sem-fim!

Era tão mais simples, e talvez abarcasse tudo, quando eu desenhava nós duas lado a lado, de mãos dadas…

Mas, então, o jornal me pede que eu lhe escreva um bilhete, para anular a distância neste Dia das Mães singular, quando o novo coronavírus determina tanto as ausências quanto outras formas de encontros. Estou aqui, entre sol e chuva, frente a frente com o papel em branco, tentando passar os dias a limpo e atravessar o tempo até voltar para nós duas, lado a lado, de mãos dadas…

Faz uma vida que eu tento lhe dizer tudo e, agora, neste tempo incerto, quando nos desabrigamos dos abraços “de carne e osso”, tornou-se urgente que eu lhe escreva o amor; justamente, porque o amor é a única certeza quando precisamos ter alguma. E é urgente recriar abrigos.

Escrevo-lhe, justamente, o amor porque um vírus invisível parou a pressa e o pensamento de cada dia e muda o curso das palavras e das histórias, fazendo com que as pessoas naveguem em direção umas às outras. Que contradição: é o invisível que nos faz ver – uns aos outros e as importâncias.

São “tempos estranhos”, carimbam. E eu acho, principalmente, estranho, acontecer a distância para poder, enfim, percorrermos o amor. Mas que bom sabermos os caminhos de volta e aprendermos mais sobre como chegar. Nunca se tornou tão necessário nos encontrarmos de alguma forma.

Mãe, eu tenho voltado nas entrelinhas da lista de compras, no sabor do chá de gengibre com capim-santo, no cuidado com a higienização do mundo, na prece de cada noite, no repetir “fica em casa, mãe”. Este bilhete, mãe, é também uma maneira de tocar suas mãos para sempre, pois a senhora mesma me ensinou que as palavras guardam o tempo.

Hoje, eu passo na sua casa. Vou neste amor por escrito. E vou, dia a dia desta quarentena, no canto mais forte do pássaro, no nascer florido do seu jardim, nas borboletas-depois-da-chuva, no sol que se põe na sua varanda, na brisa que entra por sua janela. Volto no cotidiano banal que, redescobrimos (de nossas casas e de nossas saudades), é o que tanto importa.

Neste amor por escrito, mãe, sou eu agora quem lhe abriga, no dizer de uma vida inteira: não tenha medo, passaremos por tudo isso sem nos perder.

cotidiano banal.

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