escrever é inútil,
a palavra tem sido em vão.
aos utópicos, a realidade ensina
esta primeira lição:
no meio da desgraça,
não adianta escrever salvação,
outros textos,
um mundo paralelo…
ninguém lê, dá atenção.
frente ao desamor,
é inútil dizer recomeços,
é tolice contar sobre flor.
tempo da desilusão.
escrever é inútil,
a palavra tem sido em vão.
e escrever para ninguém
amplia a solidão.
por estes dias, toda agonia,
uma amiga perdeu a mãe,
outra perdeu o irmão,
e não houve palavra
que lhes refizesse o chão.
a dor é deserto quente
e não há explicação que alente
o padecer do coração.
escrever é inútil,
a palavra tem sido em vão.
a morte de milhares de gentes
passa todo dia na televisão.
todo mundo vê,
mas finge que não.
quem mandou matar
vai ser sempre interrogação?
tanta mente em desassossego,
mas dizer já não alcança:
a palavra tem sido em vão
se acabou a esperança.
tempo de precisão.
melhor ficar em silêncio,
ser cúmplice da negação?
fazer de conta que a vida segue,
na sorte de escapar,
enquanto os outros morrerão?
escrever é inútil,
a palavra tem sido em vão.
ainda assim, na praça vazia,
o papa faz uma oração
e comove pela insistência,
entre a fé e a ciência,
de que dias melhores virão.
o belo atravessa o nada;
na varanda, chega uma canção;
o cuidar vence a desdita
e, de novo, a vida bendita
tenta a superação.
no país do cala a boca,
a palavra tem sido em vão.
(mas já não é possível calar,
“até as pedras falarão”)
então, mais alto o poeta grita:
“eles passarão”.