Crônica ] Amor e outras perguntas

Por estes dias, uma amiga me escreveu perguntando se eu ainda acreditava que o amor é para sempre. O “ainda” é porque nos contaram assim, que o amor é para sempre, quando éramos crianças no colégio católico, onde, durante anos e anos, só estudaram meninas. De modo que nos ensinaram a ser mulheres acreditando em verdades escolhidas para mulheres.

Mas, recém-mãe depois de três abortos naturais, corpo e crenças esgarçados, depois de 15 anos de relacionamento (fiel, pelo menos, da parte dela), as verdades também esgarçadas, tendo que amamentar, cozinhar, trabalhar fora e manter o tesão, minha amiga me escreveu que não era mais como foi: “O coração já não acelera, sabe? Não tem mais aquele fogo que tinha. Eu olho para ele e é como se ele sempre estivesse ali… Será que isso ainda é amor, ou é costume? Será mesmo que o amor é para sempre? O amor verdadeiro, eu digo”.

E existe o amor falso?, eu lhe respondi com uma pergunta. Esse, realmente, eu desconheço e lhe peço o favor de não me apresentar a ele. Minha amiga sorriu (rs) e emendou: “Você entendeu o que eu quis dizer, o amor único, que não muda, de uma vida inteira”.

Mas, até onde eu já sei (porque experimentei dessa maneira, cada vez), todo amor é único. Não tem um amor igual a outro amor, por mais que possam parecer semelhantes. E como o amor poderia ser imutável, ao longo de uma vida inteira, se a própria vida se transforma para ser inteira?

Minha querida amiga, eu entendo suas questões – são de todas nós, em todos os tempos do amar. Mas você está procurando nos dicionários o que nem os poetas, nem as canções, nem a diversidade das ficções respondem ou responderão completamente. Até mesmo as filosofias, ciência humana, são vãs quando respondem sobre o amor. Porque amor é, puramente, sentimento. E o que se sente, mil e uma vezes, não tem definição precisa; é livre. Entende?

Dessa forma, o amor pode ser tanta coisa… Por estes dias, ouvi uma afirmação mais ou menos assim sobre o amor. Foi dita pela personagem Malu, na série brasileira Coisa mais linda, enquanto ela denunciava o feminicídio que matou a melhor amiga. O amor pode ser tanta coisa, mas “o amor não é morte”. Essa é a maior verdade que eu também sei sobre o amor. De tudo o que já conversamos a esse respeito, eu lhe repito, minha amiga: amor não é para doer, amor é para assoprar.

Se o amor é aquilo a que se habituou? Desconfio que não porque ainda não experimentei um amor cômodo. O amor sempre me tirou do lugar, me fez até construir uma casa, me fez caminhar um pouco mais, ir além. Gosto da imagem do amor feito mar, onde se navega, onde se mergulha. A propósito, talvez, o amor não seja apenas fogo, mas também água, terra, ar.

E, talvez, o amor esteja mesmo sempre ali: não onde você já vê, mas, justamente, onde você ainda não percebeu. Se o amor é para sempre? Bom, eu acho que o amor é para se consumir. Amor é o que alimenta, o que dá de beber. Amor acaba. E tem mais.

“Sim, pode ser… Mas e o corpo em brasa, e o coração acelerado? Perdi os parâmetros”.

Como assim? Se amor é desmedido… Que parâmetros? Então, o tesão é amor e o jogo de baralho, uma tarde atrás da outra, na paciente e inútil tentativa de parar o tempo, para que o Alzheimer também pare de levá-la embora, não é amor? E já pensou se o amor for a companhia da última hora, quando o corpo resistiu esperando só as mãos dadas? E se o amor for quando o coração bate mais serenamente, no compasso, simplesmente, de nos manter vivos?

Não se preocupe tanto, minha amiga, é isso que eu estou tentando lhe responder. Eu sei que você tem medo de que a graça também envelheça e morra. Não, as epifanias estão a salvo. O belo, toda vez será belo – porque será, assim, lembrado.

Será admirável, como foi, o pedido de casamento, quando terra e céu se encontravam no alto da serra. Você própria me escreveu, outro dia, que continuava linda na fotografia de noiva – mesmo que já não sejam mais aquelas horas. E eu sei que você vai rir, enquanto envelhece, por ter sido Amélie Poulain à meia-noite em Paris. Enfim. Minha resposta, para você é esta: espero que, na idade que tiver, você se lembre do que eu lhe disse quando estudávamos no colégio de freiras, “o amor ter que fazer rir mais do que chorar”.

Não se preocupe tanto, minha amiga. O amor não é uma verdade, o amor são muitas verdades. E mais: não são as verdades que os outros escolhem para nós, mas, sim, são as verdades que nós escolhemos. De um jeito e de outro, você vai saber – ao longo da vida inteira. Sempre que sentir.

amor é navegação, eu acho.

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